Biografia de Dona Rosa


Esta é a história de Dona Rosa... lembra-se? Se em Março passado viajou até à Turquia talvez o nome lhe diga alguma coisa pois que por lá actuou esta força da natureza revelada em disco na passagem do milénio por intermédio de um produtor austríaco que, reparando no eco da sua voz em plena Rua Augusta, a convidou para participar num programa televisivo e, depois disso, quis cristalizar em disco as melodias tradicionais por ela entoadas uma vida inteira («desde os tempos de escola») e aprendidas através da rádio ou de cassetes. Vozes de Deus era o título do formato televisivo tendo Marraquexe (Marrocos) como cenário e, de facto, a imprensa estrangeira logo se rendeu à cantora a quem uma meningite contraída aos 4 anos de idade roubou o sentido da visão. Ainda hoje há quem diga que quando canta Dona Rosa mais parece conversar com Deus...

O fenómeno registou-se há cinco anos atrás: O disco da cantora/pedinte na Baixa Lisboeta chegou a atingir o nono posto da tabela europeia de world music, detalhe que lhe abriu as portas de salas de espectáculos de locais improváveis como Amesterdão, Munique, Praga, Innsbruck, Viena, Bruges e Paris. Dona Rosa até já actuou na China e, portanto, a sua projecção no exterior do País é comparável à dos mediáticos Dulce Pontes, Madredeus ou Mariza. Entre fronteiras é que nem tanto, como nos contou horas antes do concerto realizado na noite de quarta-feira no Café-Teatro Santiago Alquimista, em Lisboa. Em Portugal ninguém a contrata. Chegam e sobram os dedos de uma mão para contar o número de vezes que tal aconteceu. Em Portugal poucos lhe prestam atenção, garante o fundador do Grupo de Amigos da Dona Rosa, a ela que é protagonista, literalmente, de uma vida dupla. Tal acontece talvez por preconceito, já que somos historicamente um país avesso às minorias sociais, ou talvez porque a cegueira de uma figura pública nos obrigue a repensar a realidade em que vivemos e suas dádivas. Mas nunca por falta de talento ou originalidade do ser em questão.
Inequívoca é a ironia que marca o destino de Dona Rosa, aplaudida lá fora, mas por cá obrigada a continuar a cantar na rua, «porque há contas para pagar, discos para vender e muito dinheiro empatado». Há também o factor humano, a solidão de quem desde cedo foi obrigada a ser independente - «e serei até ao resto da minha vida» - pontualmente apagada com conversas de circunstância estabelecidas com os simpáticos transeuntes e demais carentes de esmola. «Ao princípio foi bom, a minha vida mudou um bocadinho.
No momento em que começou a alternar as pedras da calçada com os palcos, a cantora que outrora vendia calendários, almanaques e lotaria sentiu uma responsabilidade acrescida. «Por muitas vezes que subamos ao palco é sempre uma responsabilidade. Na rua cantamos para quem passa, para os que param um bocadinho a ouvir. No palco é diferente, porque estamos a cantar para quem é obrigado a pagar para nos ver. Portanto, é uma responsabilidade que está em cima de nós. Temos que nos portar bem». Tendo consciência deste detalhe, Dona Rosa sabe da importância dos ensaios antes de cada actuação. Apesar de «não gostar nada de ensaiar», ei-la em palco, acompanhada dos seus ferrinhos, evocando os populares Ó Laurindinha, Milho Verde e Erva Cidreira, temas que no alinhamento da função cedida no Santiago Alquimista deram as mãos a outras canções como Resineiro, Ó Lua Vai-te Deitar, Beijinhos e Mariquitas. Em disco - no tal registo captado na Igreja do Menino-Deus (Lisboa), uma edição da BUDA Records, por cá distribuída por cá pela Dargil, que contou com a colaboração das Vozes Búlgaras e teve direito a versões alemã e francesa - a sua voz naturalmente colocada dá uma nova dimensão às composições tradicionais Quando Eu Era Costureira, Ceifeira, Maria dos Olhos Lindos, Meu Limão Verde, 24 de Agosto, Fado do Emigrante, O Autocarro do Mar, Carta e Saudade, Silêncio e Sombra, esta uma das suas canções de eleição, popularizada por Teresa Tarouca, que sempre preferiu a Amália. «Quem era fã da Amália era a minha mãe. Quando me pedem para cantar um fado dela, digo logo que não sei.»

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